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Exclusivo: quem são os drusos da Síria e porque estão a ser atacados?


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Após os confrontos mortais no sul da Síria, a Euronews falou em exclusivo com líderes religiosos e ativistas da comunidade sobre as origens dos drusos e os efeitos da violência recente.


Depois de, na semana passada, terem eclodido violentos confrontos entre milícias drusas e beduínas na região de Sueida, no sul da Síria, que causaram a morte de mais de mil pessoas e a deslocação de quase 130 mil outras, o grupo religioso foi lançado para a ribalta mundial.


Apesar da violência, um dos três líderes religiosos drusos, Hekmat Al-Hijri, disse numa entrevista à Euronews que o grupo foi formado por “pessoas pacíficas que nunca atacaram ninguém no passado” com base em três princípios fundamentais.


O uso da razão, a não agressão e a veracidade” são os princípios em que os drusos se baseiam, explicou Al-Hijri.


No entanto, ao longo dos seus 1.000 anos de história, os drusos não têm sido alheios a conflitos.


Explicar a história de um dos grupos religiosos mais complexos do Médio Oriente não é tarefa fácil, mesmo para quem está por dentro do assunto. Como explicou um líder religioso druso à Euronews, “teríamos de recuar até ao tempo dos profetas Shuaib e Moisés”.


Fundada no Egito no início do século XI como uma ramificação do Islão Ismaili - ele próprio uma ramificação do Islão Xiita - a doutrina drusa terá sido pregada pela primeira vez no Cairo em 1017, o que acabou por provocar tumultos na capital egípcia.


Grande parte da ideologia fundamental baseava-se na personalidade do líder fatímida Al-Hakim, apelidado pejorativamente de “O Califa Louco” por alguns, mas venerado por outros como um líder supremo escolhido por Deus.


Figura controversa, acusada de perseguir os muçulmanos sunitas, bem como os cristãos e os judeus, Al-Hakim desapareceu misteriosamente em 1021.


O que se seguiu para a recém-fundada minoria drusa foi marcado pela discriminação e pela perseguição.


Foram em grande parte expulsos do Egito pelos sucessores de Al-Hakim e instalaram-se nas regiões montanhosas do Sham, que abrange a atual Síria, o Líbano e partes contestadas de Israel.


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Um homem druso lê um livro sagrado no exterior do santuário de Nabi Shuaib durante a peregrinação anual ao local, perto do Mar da Galileia, no norte de Israel, a 25 de abril AP Photo


Grande parte do dogma druso permanece envolto em secretismo, mas um druso residente em Sueida, oriundo de uma família de xeques, mas que quis manter o anonimato por razões de segurança, disse à Euronews que o grupo “segue a religião de Tawhid (unidade), que é uma fé inteletual e espiritual baseada na ideia de que a relação de uma pessoa com Deus é espiritual e intelectual, não dependendo de rituais religiosos impostos”.


Em suma, “é uma fé voluntária, não obrigatória”, que não faz parte de nenhuma outra religião, incluindo o Islão. Na visão do mundo druso, isto significa que o grupo é “capaz de se harmonizar com várias seitas, religiões e etnias”.


Desde 1043, a religião drusa tem estado fechada a novos convertidos. Atualmente, a população drusa é de apenas um milhão de pessoas em todo o mundo, mais de dois terços das quais vivem na Síria.


Luta pela liberdade


Ao longo da sua história milenar, os drusos formaram frequentemente alianças com várias potências mais vastas. Durante as Cruzadas, os soldados drusos ajudaram as forças aiúbidas e, mais tarde, as forças mamelucas, resistindo aos avanços dos cruzados na costa libanesa.


Mantiveram também um nível de autonomia relativamente elevado durante os séculos de domínio otomano, chegando mesmo a pôr em causa a sua autoridade nos anos 1600, após terem formado uma coligação com os cristãos maronitas.


Mais recentemente, quando a região foi dividida pelas potências europeias em Estados-nação modernos, cujas fronteiras, muitas vezes porosas, permanecem ainda hoje indelevelmente gravadas nos mapas, o xeque Al-Hijri observa que os drusos "estavam entre aqueles que ajudaram a fundar o Estado do Líbano".


O líder rebelde libanês dos drusos, Kamal Joumblat, posa no meio de um grupo de seguidores fortemente armados no seu quartel-general em Mouktara, a 5 de julho de 1958
O líder rebelde libanês dos drusos, Kamal Joumblat, posa no meio de um grupo de seguidores fortemente armados no seu quartel-general em Mouktara, a 5 de julho de 1958

No país vizinho da Síria, continuam a ser uma força política poderosa, liderada por uma dinastia da família Jumblatt, cujas gerações dirigiram o Partido Socialista Progressista, de maioria drusa.


Na Síria, a história foi diferente, marcada por “uma marginalização extrema e um tratamento sectário repugnante”, afirma o xeque.


Não só a comunidade foi dividida quando Israel anexou os Montes Golã, de maioria drusa, na Guerra dos Seis Dias de 1967, como quatro anos mais tarde o partido Ba'ath, liderado por al-Assad, chegou ao poder, o que, segundo os líderes e ativistas drusos disseram à Euronews, foi o início de cinco décadas de discriminação.


“O regime de al-Assad marginalizou os drusos de tal forma que lhes foi proibido cavar um poço de água ou construir uma fábrica, e foram impedidos de atingir patentes militares superiores”, afirma Al-Hijri.


Dito isto, nem toda a gente descreve a relação entre os drusos e Hafez Al-Assad e o seu filho recentemente deposto, Bashar, como tão difícil. Alguns vêem o antigo regime como uma forma de acabar com as tensões religiosas num país onde cerca de 20% dos 24 milhões de habitantes pertencem a minorias religiosas.


Houve mesmo acusações de que os al-Assad - eles próprios oriundos de outro grupo xiita, os alauítas - davam tratamento preferencial a grupos não sunitas.


Como disse um membro proeminente da comunidade drusa em Sueida à Euronews: “As personalidades drusas beneficiaram do último regime; fizeram acordos com ele, apoiaram as ideias e as ações do regime”.


No entanto, a artista e ativista drusa Tamara Abu Alwan afirma que muitos, se não a maioria, dos membros da minoria eram fervorosamente contra al-Assad.


"Pessoalmente, estou envolvida na revolução há 14 anos. O meu pai também perdeu o emprego por ser um opositor do regime. Todos nós estávamos na oposição. Éramos uma família que se apoiava mutuamente e estendia a sua ajuda às zonas fora do controlo do governo, mesmo que isso colocasse as nossas vidas em risco."


Quando as forças sob o comando de Ahmed Al-Sharaa, um antigo líder da milícia islâmica cujo "nome de guerra", Al-Jolani, deriva do nome árabe dos Montes Golã, Abu Alwan indicou à Euronews: "Fiquei muito feliz. Acreditei que os 14 anos, com todos os mártires que derramaram sangue, tinham acabado".


“Mas, afinal, era apenas o início de algo ainda pior.”


O enredo adensa-se


As novas autoridades de Damasco foram em grande parte recebidas com um suspiro de alívio cauteloso pela comunidade internacional.


Al-Sharaa reuniu-se com dirigentes de potências ocidentais, incluindo o Reino Unido, a UE e os EUA. Donald Trump chegou mesmo a chamar o novo presidente de “bonito”.


O que se seguiu foi o levantamento de muitas sanções paralisantes impostas ao regime de Assad pelos crimes cometidos contra o povo sírio. Atualmente, 90% da população ainda vive abaixo do limiar da pobreza e a economia está por um fio.


Embora muitos tenham elogiado al-Sharaa por ter proporcionado estabilidade a um país devastado por mais de uma década de guerra, a Síria tem sofrido vários episódios de violência interétnica, nomeadamente no início de março, quando as comunidades alauítas foram massacradas nas regiões costeiras.


Embora, na altura, al-Sharaa tenha apelado à calma e prometido uma investigação independente sobre as alegações de que as forças afiliadas ao governo teriam dado início ao que um comentador apelidou de “orgia de violência”, muitos acreditam que o presidente foi cúmplice.

Um combatente beduíno exibe um sinal de vitória enquanto conduz uma mota na aldeia de Mazraa, nos arredores da cidade de Sueida, a 18 de julho de 2025
Um combatente beduíno exibe um sinal de vitória enquanto conduz uma mota na aldeia de Mazraa, nos arredores da cidade de Sueida, a 18 de julho de 2025

“Pediram-lhes (aos alauítas) que entregassem as armas”, disse o residente de Sueida durante a entrevista. “Quando as armas foram entregues e a zona costeira da Síria ficou isolada (...) eles atacaram e cometeram terríveis massacres contra a humanidade.”


"Aldeias inteiras foram abatidas e exterminadas. Muitas casas foram incendiadas".


O seque Hikmat concordou, acrescentando: “Usam um grupo local para provocar conflitos e depois matam em massa os seus opositores.”


O líder espiritual afirma que previu a violência recente com meses de antecedência. “Passaram sete meses a conduzir uma campanha mediática sistemática”, recorda o xeque Hikmat, que, segundo ele, fomentou as tensões étnicas.


Houve semanas em que Sueida ocupou mais de 25% dos noticiários do mundo árabe, numa altura em que não havia disputas ou confrontos evidentes, o que aponta claramente para um plano premeditado contra os drusos.”


A confiança em al-Sharaa está a diminuir?


No final de abril, as tensões evoluiram para a violência, provocando quase 100 mortes entre os combatentes drusos.


Mais de 30 combatentes do governo foram também mortos e as forças de defesa israelitas lançaram ataques aéreos, nomeadamente perto do palácio presidencial. Algo que acabou por ser um prelúdio do que estava para vir.


A 13 de julho, eclodiram novamente combates no sul da Síria, com as milícias beduínas e drusas a acusarem-se mutuamente de cometerem crimes de guerra, incluindo massacres em massa.


A comunidade internacional condenou rapidamente a violência, com a UE a declarar-se “chocada”, sem atribuir culpas a uma ou outra parte.


No entanto, os novos e tímidos apoiantes ocidentais da Síria “saudaram” um cessar-fogo anunciado por al-Sharaa na passada quinta-feira, no âmbito do qual o líder sírio afirmou ser a sua “prioridade” proteger os drusos.

Membros da milícia drusa montam guarda num posto de controlo um dia após os confrontos entre membros da seita minoritária drusa e combatentes pró-governamentais em Sueida
Membros da milícia drusa montam guarda num posto de controlo um dia após os confrontos entre membros da seita minoritária drusa e combatentes pró-governamentais em Sueida

Para Tamara Abu Alwan, as suas palavras soam a falso. “Ele perdeu o respeito pelo povo sírio”, afirmou à Euronews.


"Perdi entes queridos e amigos por causa de nada, por causa desses criminosos que tomam conta de um regime que não merecem. Por isso, não acredito que Ahmed al-Sharaa vá durar muito tempo".


No seu discurso à nação, al-Sharaa também condenou os vizinhos da Síria em Israel por lançarem ataques aéreos e tentarem “enredar o nosso povo numa guerra que só serve para fragmentar a nossa pátria e semear a destruição”.


O apoio internacional aos últimos ataques de Israel no coração de Damasco foi escasso. No entanto, ao afirmar que “99%” da população drusa o apoiava, Al-Hijri saiu em defesa de Israel.


"Israel tentou estabelecer relações com o regime de Damasco e foi um dos países que lhe deu uma oportunidade. Mas quando o regime atacou os drusos e ignorou os múltiplos avisos, atacou Damasco", afirmou Al-Hijri.


"Congratulamo-nos com esta ação, que pode ajudar a pôr termo às campanhas selvagens e bárbaras contra nós."


Em privado, alguns drusos com quem a Euronews falou mostraram-se mais reticentes em relação às ações de Israel.


“Ouvi falar destes ataques na zona de Damasco”, mencionou uma pessoa. "Ao mesmo tempo, estávamos a tentar fugir dos massacres. Estávamos a tentar sair deste país."



 
 
 

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